Misto de passeio e treino, a Serra Velha de Campos do Jordão é uma das mais bonitas do Brasil
31/10/2012 16:10
| Por
Redação
Um
dos destinos de serra preferidos dos paulistanos, Campos do Jordão é
também um lugar perfeito para quem curte um pedal forte montanha acima, ou abaixo.
Quem
disputou a Copa VO2 e escalou a estrada SP50, conhecida como a Serra
Velha de Campos do Jordão, sabe bem o que é explorar essa região,
formada pelos municípios de Santo Antônio do Pinhal, São Bento do
Sapucaí e Campos do Jordão propriamente dito. Embora eu, curitibano, nunca tivesse
visitado nenhuma das três, já pressentia que algo de bom estava por
vir. Em parte, talvez, devido a relatos entusiasmados de atletas que
costumam pedalar por aquelas redondezas, de atmosfera europeia; depois,
porque essa região é um pequeno paraíso de serras, com subidas que vão
desde as longas e não muito duras (a começar pela Serra Velha de Campos)
até as curtas e extremamente inclinadas, como a Serra do Paiol.
Era, portanto, com bom humor e um sorriso no rosto que em uma tarde de sexta-feira eu aguardava na fila
de check-in do Aeroporto Afonso Pena, em Curitiba. A grande mala preta
estacionada atrás de mim, perfeita para transportar bicicletas, mas
desajeitada para manobrar em aeroportos, despertava olhares curiosos de
um passageiro.
— Equipamento de som? — perguntou ele, apontando para a mala.
— Não, bicicleta — respondi, tentando ser cordial, mas já com medo do rumo que a conversa poderia tomar.
— Puxa, bicicleta... Que legal! Quanto pesa?
— Uns 20 quilos.
— Nossa, pesada essa bike, hein? Eu tinha uma Caloi 10 que pesava bem menos.
— Não, não... 20 quilos pesa a mala com a bicicleta dentro.
Só a bicicleta deve pesar uns sete.
— Sete quilos? Noooosssa!
Felizmente, a fila
andou e outra pergunta que nenhum ciclista de bom senso gostaria de
responder foi evitada. Diante de mais uma indesejada ausência dos
companheiros Luiz Otavio “Lodd” Duarte (que estava percorrendo o Haute
Route) e Samuel Berger (em fase final
de treinamento para o 70.3 Brasil), fui salvo de ter que exercer
simultaneamente as funções de guia turístico, motorista, fotógrafo,
ciclista e repórter pelo casal Anderson e Eda Cunha. Residentes em São
Paulo e apaixonados por ciclismo, os dois são profundos conhecedores das
estradas e trilhas na região que iríamos visitar, e desde os primeiros
contatos mostraram-se extremamente receptivos à minha necessidade de
suporte logístico
e fotográfico.
Tão
logo desembarquei em São Paulo, encontrei-me com eles no aeroporto e
seguimos direto para Santo Antônio do Pinhal, onde Anderson e Eda
adquiriram recentemente uma casa que, além de proporcionar uma vista
incrível da região, seria a nossa base durante o fim de semana.
O
percurso a ser feito no sábado, elaborado por Anderson com base em
experiências anteriores pela área, previa a partida de Santo Antônio do
Pinhal em direção a Campos do Jordão, seguindo para São Bento do Sapucaí
e retornando para Pinhal.
Ao
longo do trajeto, teríamos a companhia dos triatletas Bruno Pinheiro e
Flávio Ayra, e o apoio logístico e fotográfi co da Eda. Aliás, sobre
“apoio logístico e fotográfico”, um parêntese. Essa é uma descrição
chique de um trabalho extremamente ingrato, frequentemente delegado às
esposas, namoradas e demais familiares do sexo feminino, que não sabem
dizer “não”. Em defesa da Eda — que com certeza preferia estar pedalando
conosco a se encarregar do registro fotográfico da expedição —, só
posso dizer que ela carregou sua cruz de máquinas, lentes, comida e
bebida com elegância e bom humor invejáveis.
Se
fosse eu, por muito menos teria largado todo mundo na estrada e voltado
para casa para dormir. Conforme combinado, o Bruno Pinheiro e o Flávio
Ayra apareceram no sábado logo cedo. Depois daqueles 15 minutos de
procura-isso-conserta-aquilo que costumam anteceder toda saída de um
pedal em grupo, tomamos nosso rumo.
Curvas
suaves, inclinação gentil, muita sombra — enfim, uma região perfeita
para quem gosta de serras mas não necessariamente de sofrimento.
Os
primeiros quilômetros serviram para me convencer de que ali faz frio de
verdade, pois embora estivéssemos em meados de agosto, sob um céu azul e
diante de uma promessa de sol firme, nas áreas de sombra os dentes
tiritavam e as pontas dos dedos ardiam. Em breve, porém, com a chegada
dos primeiros trechos inclinados, o corpo esquentou e pedalar tornou-se
novamente prazeroso.
O
tráfego de veículos àquela hora da manhã — em torno de 9h — era tão
pouco intenso que frequentemente ficávamos os quatro lado a lado,
batendo papo e trocando impressões sobre o percurso. A conversa fluía
tão animada que, quando percebi, já estávamos subindo a Serra de Campos. Desafiadora
— mais pela distância coberta do que pela inclinação média —, ela é uma
serra perfeita para quem quer fazer bons treinos de montanha sem
deparar-se com difi culdades extremas. O grau de inclinação é praticamente constante do começo ao fim, a
vegetação
oferece proteção contra o sol em vários trechos e, embora não haja um
acostamento definido, o baixo tráfego de veículos tornava o pedal
seguro.
O
mais difícil era acreditar que estávamos a cerca de duas horas de uma
das maiores concentrações urbanas e de um dos trânsitos mais caóticos do
mundo, que é o da cidade de São Paulo.
Tínhamos
a pista praticamente para nós, ar puro, verde por toda a parte e uma
sensação de tranquilidade absoluta. Em nenhum ponto do percurso nos
sentimos intimidados, ou ameaçados, seja por perigos reais ou
imaginários. Se essa é a realidade no dia a dia dessas estradas, eu não
sei. Mas foi a impressão que trouxe comigo, e é a que eu gostaria que
fosse a verdadeira.
Ao chegar a Campos do Jordão — famoso enclave de inverno para os paulistanos —, uma pequena parada gastronômica. Nada muito sofisticado: apenas café com leite e pão de queijo. Mas, podem acreditar: mesmo esse tipo de pedido pode ser
bem sofisticado em Campos do Jordão.
Na saída da cidade, enquanto pedalávamos por uma rua estreita, ouvimos uma voz feminina:
— Olha só essas pernas. Ô lá em casa...
Eu,
que estava mais distante, não vi a autora do comentário nem fiquei
sabendo a quais pernas ela se referia. Só sei que se a Eda tivesse
ouvido, talvez a paz e a harmonia reinantes ficassem seriamente
ameaçadas.
Depois
de Campos, outras estradas tranquilas. Logo chegamos ao topo da famosa
Serra do Paiol. À medida que começamos a descer — sim, o nosso roteiro
previa descê-la e não subila —, ficou claro que se trata de um monstro.
Nunca antes eu havia sentido calor nas pernas devido ao aquecimento
gerado pela frenagem na roda traseira. É preciso frear constantemente, e
forte. Logo, meu pneu traseiro começou a murchar, e ficou claro que não
se tratava de furo, e sim de ar escapando pelos remendos (oito ao todo,
admito, com um misto de vergonha
e orgulho) dilatados pelo calor. Era praticamente impossível encostar o dedo no aro de carbono para trocar o pneu.
Com
base nessa experiência, recomendo que quem for descer por ali o faça
com aros de alumínio e câmaras sem remendo. Já para quem for subir, é
bom simplesmente treinar, e treinar muito. Embora a serra em si seja
curta — cerca de 7 km —, a inclinação em vários trechos passa de 20%,
sem praticamente nenhum alívio do começo ao fi m. Trata-se, com certeza,
de uma das serras mais duras do Brasil, e em breve voltaremos lá para
fazer o caminho inverso.
Após a descida da serra, fizemos
uma nova parada gastronômica em São Bento do Sapucaí. Enquanto
devorávamos um pacote de pão de queijo — esse, bem menos sofisticado,
bem maior e muito mais barato —, chegou ao mercado um senhor com uma
bicicleta marrom. Um exame de perto mostrou que a origem da cor era uma
mistura de poeira e ferrugem. O guidão, segundo ele, havia custado R$ 1,
e a bicicleta toda, pelas nossas contas, pesava pelo menos uns 15 kg.
— Você pedala bastante com ela? — perguntei ao dono, já imaginando a resposta.
— Pedalo sim. Acabei de chegar de uma viagem até Aparecida, em romaria. Dá uns 90 km.
— ......................................
Não
sei se esse diálogo serviu de inspiração, mas serviu com certeza para
provar que o ciclismo tem sua própria teoria da relatividade.
O
penúltimo trecho, passando por São Bento do Sapucaí e seguindo de volta
para Santo Antônio do Pinhal, percorre o acostamento da rodovia MG 173 —
ou seja, entramos em Minas Gerais por alguns quilômetros —, com asfalto
bom, boas condições de segurança e essencialmente um suave sobe e
desce. A propósito dessa proximidade com Minas, tanto a culinária como a
maneira de ser do lado paulista refletem uma benéfica influência
mineira.
Por
fim, a SP 050 nos trouxe de volta a Pinhal, e para encerrar o dia, uma
pequena, porém inspirada, subida nos últimos 5 km. Ao todo, foram cerca
de sete horas pedalando sob um céu azul perfeito, com várias paradas ao
longo do caminho, bons lanches e muito bate-papo. Diante do argumento de
que fizemos mais um passeio ciclístico do que um treino, nenhuma
contestação.
Como
defesa, apenas a constatação de que um passeio como esse traz tantos
benefícios à alma — e ao próprio corpo — que a sensação de dever
cumprido ao final é a mesma.
Algumas
horas depois, da varanda da casa do Anderson, relembrando detalhes da
pedalada enquanto contemplávamos a vista da Serra da Mantiqueira ao
entardecer, que ocupava 180 graus à nossa frente, uma certeza emergia:
para o ciclista em busca de boas serras, os sons de Sapucaí, Pinhal e
Campos realmente fazem música, e das boas.
Publicada na revista VO2Max, edição 85, outubro de 2012
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